segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Hipnose ou O brilho da agulha

Voos (retirada desnecessária do acento circunflexo – tchau, reforma ortográfica!)

Exatamente meia-noite e vinte quando ele olhou no relógio. Deveria estar dormindo, mas preferiu apanhar o objeto em cima da mesa do computador e verificar qual a probabilidade de cansaço para o dia seguinte. Era tarde, precisava trabalhar na manhã daquele dia que se iniciara há poucos minutos.

Comparado com o tempo do mundo, aqueles poucos minutos representados no celular em cima da mesa do computador estavam passando lado a lado com uma analogia. Aquela do hospital, na qual – ele lembra bem – pegava uma agulha e injetava em si mesmo tudo que julgava ter aprendido da última vez em que estivera naquela situação (ao contrário).


Esse espasmo repetido causado pela agulha que ele injetou em si mesmo poderia ser resolvido com uma cura supostamente simples. Algo antigo: magia resultante da união entre água, fogo e vento. E ele podia sentir aquela cura tão desejada bem próxima. O toque leve, mas arrebatador; os pêlos da nuca levantados em segundos; o velho e amado frio na barriga. Um beijo para imergir, queimar e voar – nada mais.

Ao tomar consciência de que o relógio em cima do computador parecia estar descompassado, que a agulha estava quebrada e que beijava o travesseiro, sentou-se na cama. Memórias brotando em cada poro e o segredo para tal sensação continuava intacto.

Ainda não era a hora…

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Vidas cruzadas

Navalha na carne
A Tpm de agosto desnuda e dilacera o discurso vazio das revistas femininas, e abre um leque de reflexões para outros públicos envolvidos no mesmo jogo de histórias da Carochinha

Muitos de vocês já devem ter visto a atriz Alice Braga na capa da edição de agosto da revista Tpm. As mais desatualizadas possivelmente estranharam a abordagem das chamadas e glamourização da foto e, portanto, podem ter perdido o tesão pela compra. No entanto, é apenas uma dobradinha para um problema maior: os conflitos enfrentados pelas mulheres no que concerne a estética, devido principalmente às imposições maciças da mídia com o uso desenfreado de alterações/retoques e, em alguns casos, verdadeiras mutações. A leitura da reportagem, naturalmente focada no segmento feminino, possibilita a observação de questões que se fazem presentes no mundo gay, embora seja plausível a extensão à cultura geral das publicações que nos rodeiam.


Enquanto as mulheres veem saltar aos olhos produtos perfeitos que as deixam perfeitas como a mulher perfeita que usa tais artifícios, o mundo gay constitui-se dessa pressuposta perfeição na esfera do criar clima. Para mascarar o preconceito, veste-se a roupa da academia, do carro importado, festas incessantes, numa carcaça que não parece envelhecer ou sofrer os danos do excesso. Não chegou um homossexual, chegou um carro, uma roupa, uma justificativa para não tocar no assunto. Essas questões, profundas e doloridas, já foram cutucadas anteriormente, e incrivelmente bem, pelo jornalista Fernando Barros, num artigo publicado no Observatório da Imprensa em 2011, intitulado "Que gay é esse". Trata exatamente desse personagem de revista que não existe - e não por acaso é fabricado no mesmo conglomerado da boneca que estampa os anúncios e capas de revistas preferidas das mulheres.

Com os exemplos instaurados por todos os lados, seja na revista ou no seu reflexo exterior, através dos leitores, não cabe o julgamento. Em nenhuma das abordagens é possível condenar quem se deixa levar por tais encantos (quem nunca?) e, ao não atingir o inatingível patamar oferecido, entra numa espiral de vergonha que leva à desconstrução do ser como um todo. Sem o julgamento, não resta dúvida de que é preciso, sim, sangrar as mazelas do corpo até o fim, fazer a autópsia e permitir que ele seja levado embora ou cremado. Não há nada de mortificante ou trágico, trata-se apenas de algo que simplesmente nunca existiu. E é melhor que seja assim.

domingo, 4 de agosto de 2013

P de 5

Faço o tipo sonhador. Algumas pessoas próximas dizem que, por tendência, preciso de alguém que, como se diz?, coloque meus pés no chão. Well, sou um escorpião com asas. Acredito em destino. E gosto de interferir. Para olhar para o céu, independente do hemisfério, sempre é preciso olhar para cima. Até onde posso ver no momento, existe uma mão completa de opções perante os meus olhos e sonhos. Algumas delas cabem em cálculos matemáticos – numa conta que não me recordo mais como fazer. Seria P de 5?

Mesmo com os devidos cruzamentos, a pergunta que se funde ao símbolo do infinito é simples na sua construção, mas extremamente complexa quando clama por resultado. Afinal de contas, não sou exato. O sonho ou o coração? Quando um sentimento diferente bate à porta (e não estou aqui falando sobre amor diretamente, talvez porque ainda não tenha feito a minha escolha), às vezes é preciso fugir? Abrir a porta apenas para batê-la na face do quase-amor? Ou é prudente convidar para entrar, servir um café, adoçar com carinho e convidar para participar do sonho? Quando foi que o sonho entrou? Ele já estava lá.

Num universo paralelo, na tentativa obviamente frustrada de fugir da realidade, certamente já fiz uma escolha, o que significa que, neste plano, ela ocorre ao contrário. Os planos podem ser equalizados? Unidos numa frequência para retomar a batida que pulsa, ao mesmo tempo, sonho e coração?

Vou pegar algo para beber*.

É assustador brincar com a nossa própria zona de conforto. A brincadeira, geralmente iniciada com uma sessão de esconde esconde, é necessária, eu sei, pois ativa sistemas de mudança até então intactos até mesmo pela brisa mais fraca de transformação. Agora que os ventos sopram repentinamente com o anúncio de 120 possibilidades, onde a areia assenta e forma um castelo?

O peixe?
O Rio?
Vem comigo?

*Chá gelado.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Gotas de pulsação

11/3/2011
Nas entrelinhas
02/08/2013

De tempos em tempos (apenas para gerar um mistério acerca do fator impreciso da passagem temporal e suas representações), uma força brota de mim, embora pareça sugerir que me domina de fora para dentro. Geralmente chega sem avisar, apenas arrebenta a porta e senta ao meu lado, como se nos conhecêssemos há anos. Admito que sim, somos conhecidos de longa data, sem dúvida.

O que me incomoda (instiga?) é que, em cada reencontro, a roupagem dessa força é diferente, evoluída e proporcionalmente mais tensa e, sim, intensa. Meu instinto natural é correr, não para fugir, mas para fazer parte dessa essência que emana e vibra em todas as direções sem se quebrar, dividir ou diluir.

É um desejo profundo por chuva somado ao correr na precipitação, cantar, dançar, pular, gritar, exorcizar, amar e verbalizar na água que corre verticalmente a expressão mais condizente com a enxurrada de emoções que se misturam; é olhar pela janela e desejar com tanto fervor que as esferas que se fazem necessárias ajustar, simplesmente acordem alinhadas...

Hoje isso ocorreu novamente e me trouxe para uma reflexão, lindamente vestida de sentimentos, mas que, na verdade, é apenas a moradia de um animal profundamente humano, rumo ao ápice da solidão.

"É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir"

Trecho de Tocando em frente (Almir Sater e Renato Teixeira)