quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Vidas cruzadas

Navalha na carne
A Tpm de agosto desnuda e dilacera o discurso vazio das revistas femininas, e abre um leque de reflexões para outros públicos envolvidos no mesmo jogo de histórias da Carochinha

Muitos de vocês já devem ter visto a atriz Alice Braga na capa da edição de agosto da revista Tpm. As mais desatualizadas possivelmente estranharam a abordagem das chamadas e glamourização da foto e, portanto, podem ter perdido o tesão pela compra. No entanto, é apenas uma dobradinha para um problema maior: os conflitos enfrentados pelas mulheres no que concerne a estética, devido principalmente às imposições maciças da mídia com o uso desenfreado de alterações/retoques e, em alguns casos, verdadeiras mutações. A leitura da reportagem, naturalmente focada no segmento feminino, possibilita a observação de questões que se fazem presentes no mundo gay, embora seja plausível a extensão à cultura geral das publicações que nos rodeiam.


Enquanto as mulheres veem saltar aos olhos produtos perfeitos que as deixam perfeitas como a mulher perfeita que usa tais artifícios, o mundo gay constitui-se dessa pressuposta perfeição na esfera do criar clima. Para mascarar o preconceito, veste-se a roupa da academia, do carro importado, festas incessantes, numa carcaça que não parece envelhecer ou sofrer os danos do excesso. Não chegou um homossexual, chegou um carro, uma roupa, uma justificativa para não tocar no assunto. Essas questões, profundas e doloridas, já foram cutucadas anteriormente, e incrivelmente bem, pelo jornalista Fernando Barros, num artigo publicado no Observatório da Imprensa em 2011, intitulado "Que gay é esse". Trata exatamente desse personagem de revista que não existe - e não por acaso é fabricado no mesmo conglomerado da boneca que estampa os anúncios e capas de revistas preferidas das mulheres.

Com os exemplos instaurados por todos os lados, seja na revista ou no seu reflexo exterior, através dos leitores, não cabe o julgamento. Em nenhuma das abordagens é possível condenar quem se deixa levar por tais encantos (quem nunca?) e, ao não atingir o inatingível patamar oferecido, entra numa espiral de vergonha que leva à desconstrução do ser como um todo. Sem o julgamento, não resta dúvida de que é preciso, sim, sangrar as mazelas do corpo até o fim, fazer a autópsia e permitir que ele seja levado embora ou cremado. Não há nada de mortificante ou trágico, trata-se apenas de algo que simplesmente nunca existiu. E é melhor que seja assim.

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