quinta-feira, 27 de junho de 2013

Aqui vai meu coração

Camboja, 1º de novembro de 1986.

Para você...

Escrevo-te para dizer o que não ficou claro. Escrevo-te para relembrar o passado. Um passado profundamente esquecido em nossas mentes, mas que, neste momento, vem à tona junto com sentimentos indescritíveis. Escrevo-te para dizer: estou com saudades.
Talvez esta singela carta não cumpra seu papel. Talvez eu nem queira que isso aconteça. Independente de minha força ou vontade, um flash nos posicionou em dimensões opostas e intransponíveis. Por que resolvi escrever? Para ser sincero, nem ao menos sei. São tantas reviravoltas que chega a ponto de ser irônico. Talvez você carregue as respostas que tanto almejo dentro do seu coração amargurado, acabado. São infinitas as dúvidas. São infinitos os medos. É infinita a esperança. Sentimentos tão desconexos entre si que acabam por se unir em um único. As barreiras levantadas diante de nós são destrutíveis, eu sei. Porém, nossas dimensões nunca se encontram. Por isso te escrevo... para tentar quebrá-las.

É realmente triste e emocionante lembrar da nossa amizade: entrelaçados como um feitiço do tempo, separados por obra do destino. A luz que iluminava teu caminho e fazia você compreender o mundo com mais facilidade e entusiasmo extinguiu-se. Agora, procuro-te na escuridão, tateando cada canto deste imenso quebra-cabeça. Palavras não valem nada. Não agora. Enquanto elas eram válidas, não foram usadas da maneira correta, foram jogadas ao vento como as folhas no outono. Mas a incógnita chamada destino nos envolveu neste enigma denominado morte, onde o céu não é mais púrpuro, mas sim, negro e profundo, onde as flores já não possuem cor, exceto as que enfeitam o teu jardim. Agora é tarde para consertar os erros do passado. Ele já está concluído. Quem dera tivéssemos o poder de esquecer cada acontecimento infeliz e desgastante.

Eu poderia até te ter aconselhado. Mas não o fiz. Por quê? Palavras, naquele momento, não poderiam expressar o que eu sentia. Agora, frente a frente estamos. Você não pode me ver, nem eu posso. Minha vida transformou-se radicalmente. Consumido pela inércia e cada vez mais devastado pela angústia.

Você tão perto... contudo tão longe. A distância, mesmo que mínima, é infinitamente dolorosa. Cada segundo é uma facada. Cada minuto é sangrento. Cada hora é uma dor inacabada. Suas lágrimas eram cósmicas: confortantes e ternas. Minhas lágrimas são incessantes, desesperadoras e frias. Falta-me inspiração para falar sobre o que eu sentia e sobre o que hoje sinto. Talvez eu nada sentisse e acabei por me acostumar com essa rotina. Dói escrever sobre isso. Lembranças e sensações fazem com que eu me sinta imergindo num mar de sangue, dor e sofrimento. Profundamente ferido... eternamente marcado.

O ontem me fugiu às mãos. O amanhã nem ao menos chegou. Não posso retornar ao passado e consertar nossos erros. E, muito menos, tentar planejar o futuro. Não foi permitida a mim esta tarefa. O tempo pode ser a resposta pela qual tanto almejamos. O que é o tempo? Os anos que passamos juntos, alegres. Os momentos de grande felicidade. Mas o tempo é também os momentos de profunda depressão e dor. Ele é a chave para emparelharmos as nossas dimensões. Em nossa vida interior pode estar a resposta para todas as perguntas que inquietam o nosso coração. O silêncio é benéfico. Seu silêncio era angustiante.

É amedrontador pensar no que pode estar no meu caminho. Confuso... preciso de você... Você era o remédio para a minha depressão. E agora, quem irá me ajudar? Sinto como se gritasse em uma sala cheia e ninguém ouvisse o desespero da minha voz... a agonia do meu sofrimento. Não tenho sequer a vaga esperança de ser ouvido.

As mágoas corroem a alma e desalentam o entusiasmo. Sei que seu estado emocional era facilmente abalado. Você cansava de renovar constantemente seu estoque de alegria. Pouco a pouco, ficava cada vez mais caída. Entregue às conseqüências de não querer mais viver. Uma relação tão abstrata, porém, ao mesmo tempo, concreta. Uma ligação forte rompida por um desatino, um erro. Um grande erro. Infelizmente eu irei cometê-lo também. Minha razão leva-me a fazer isso.

As luzes se apagaram. As portas se cerraram. O tiro quebrou o silêncio, tornando-o mórbido. Aquele salão de proporções gigantescas. A arma na sua mão... aquele som único... um segundo de revelação... o sangue jorrando incessante de seu coração.

Esta faca que agora empunho contra meu peito, lançar-me-á à sua dimensão e dará as repostas que tanto anseio. Quebraremos o feitiço que a nós foi imposto. A liberdade nos pertencerá novamente.

Seus cabelos não são mais lisos e morenos. Seus lábios não são mais vermelhos e vivos. Seus olhos não são mais verdes e nem se abrem. Mas, em poucos segundos, você deixará de ser apenas uma lembrança para passar a ser minha realidade. Uma realidade que eu pensava não poder existir. Um tempo que viverá novamente. Uma foto revelada dentro de minha mente: intacta, indestrutível.

As palavras agora me faltam. Aliás, neste momento, elas nem valem nada. Ou será que valem? Deixo esta carta sobre teu túmulo para que a chuva que cai renitente leve estas palavras e sentimentos até você. Estas rosas, vermelhas, sangrentas e despedaçadas são o símbolo do nosso momento.

Descanse em paz.

Vejo-te em breve...

Jeferson.

Nenhum comentário: